RETORNO



Apurados os apuros, ficou a mulher deparada com a única tarefa real e talvez a mais difícil. Dar-se a si mesma não como um prêmio, bem mais como dever e única saída. Tomar-se para si era como readmitir o eterno recomeço. Lembrou-se então de um sonho onde duas mulheres salvavam outras duas que se afogavam. No limite do risco da vida, se olharam, as duas mulheres salvadoras, e como se olhassem no espelho, executaram o gesto da salvação como uma coreografia. Debruçaram-se sobre as afogadas e no encontro das bocas, devolveram a elas o ar e a vida.
Nesse beijo ficou gravada uma remota dúvida, que mesmo remota, não perde a condição de dúvida.
Haveria sempre a coragem de buscar o pólo oposto, com a certeza do que nunca se encontra, com a humildade da falta eterna?
Haveria a coragem de recuar? Seria real outro caminho?
E na turbulência da volta, pensou a mulher nas funções, pois o síndico tocou a campainha, preocupado com o extintor de incêndio que havia sido roubado. E pensou se seriam as funções que davam sentido à vida.
Pois sim, as funções. As grandes, poderosas funções e as medíocres, muitas vezes igualmente indispensáveis.
Pequenas ilusões de que a vida é necessária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário