INSÔNIA



É noite alta
Penso em Kafka
E se eu acordar barata?
Esquadrinho cada linha do teto
Cada centímetro de parede é conhecido
Aranha prestes a devorar a mosca,
parada, inerte, passiva
Enredada espera seu destino
Uma solidão quase sólida me abraça
Sufoco, entreabro a janela, brisa gelada
Burburinho contínuo ao longe
Murmúrio dissonante
Buzinas, motores, carros, se amalgamam
Confundem-se, mesclam-se, ruído surdo,
indeterminado, contínuo, grave
Impossível distinguir cada fonte
Fera ruge incansável pela noite
Rumorejo interminável, uníssono, gutural
O subúrbio permanece ileso, incólume
Quase indiferente ao tom profundo
Um dia talvez esse som se amplie e
envolva a periferia, movimento vibratório
Mas então estas cercanias já serão centro
Pássaros farfalham nas árvores
Nenhum pio, só movimento bulindo o breu
Sono agitado como o meu
E meu sono não vem
Não posso nem sonhar
Na cidade a noite se disfarça nas luzes
Escuridão travestida de pontos luminosos
O movimento não cessa,
Persiste querendo rasgar o negrume
Confundindo a todos com sons de dia alto
Um frio antártico abate o que se move
Sinto calor e proteção dentro do útero, meu quarto
Penso nos desgraçados, sin pan ni techo
Vagam sob a desproteção dos viadutos
Queria ser poeta e tornar sentimentos
em versos, estrofes, rimas ricas, ritmo
Mas só consigo pensar, pensar
Kafka se apossa das minhas lembranças de novo
Como posso acordar barata
Se nem consigo dormir?

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